Dever de Indenizar no Abandono Afetivo

 



            O abandono afetivo tem ganhado relevância no cenário jurídico brasileiro, especialmente no âmbito das relações familiares. Este conceito está relacionado à omissão de cuidado, suporte emocional e presença afetiva por parte de um dos pais (ou ambos), o que pode acarretar graves prejuízos ao desenvolvimento psicológico e social da criança ou adolescente. No contexto jurídico, surge a questão: é possível responsabilizar civilmente um pai ou mãe pelo abandono afetivo?

 

1. Conceito e Fundamento Legal:

            O abandono afetivo se refere à ausência de cuidado emocional e suporte necessário ao pleno desenvolvimento de filhos, previsto como dever inerente à relação parental no art. 227 da Constituição Federal e nos arts. 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Além disso, o art. 1.634 do Código Civil menciona que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos.

Embora não haja uma previsão legal expressa que trate do abandono afetivo como causa de indenização, o ordenamento jurídico brasileiro admite a reparação civil quando há a conjugação de três elementos básicos: o ato ilícito, o dano e o nexo causal (art. 186 do Código Civil). No abandono afetivo, a ausência de cuidado pode configurar ato ilícito, especialmente quando viola os deveres parentais.

 

2. Aspectos Psicológicos e Sociais do Abandono Afetivo:

            O abandono afetivo não é apenas uma questão jurídica, mas também um problema social e psicológico. Filhos que sofrem com a ausência emocional dos pais podem desenvolver baixa autoestima, dificuldade em estabelecer vínculos afetivos, ansiedade e até depressão. Estudos indicam que a ausência de vínculos seguros durante a infância afeta o desenvolvimento emocional, cognitivo e comportamental, gerando impactos a longo prazo.

            Portanto, a reparação civil não busca apenas compensar os danos causados à vítima, mas também reforçar a importância dos deveres parentais no âmbito familiar.

 

3. Jurisprudência Brasileira sobre o Tema:

            A discussão sobre a responsabilidade civil no abandono afetivo foi amplamente debatida no **Recurso Especial nº 1.159.242/SP** (2012), julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesse caso, a ministra Nancy Andrighi destacou que "amar é faculdade, cuidar é dever". O Tribunal reconheceu o direito de indenização por abandono afetivo, estabelecendo que o descumprimento do dever de cuidado parental pode acarretar responsabilidade civil.

            Apesar disso, o tema divide opiniões. Parte da doutrina argumenta que a judicialização das relações familiares pode enfraquecer os vínculos afetivos, transformando o afeto em moeda de troca. Outros entendem que a responsabilização é necessária para assegurar a proteção integral de crianças e adolescentes.

 

4. Desafios da Judicialização:

A responsabilização civil pelo abandono afetivo enfrenta desafios práticos no momento da judicialização. Entre eles estão: 

- Dificuldade de Provar o Dano: É desafiador mensurar o impacto emocional causado pelo abandono afetivo, uma vez que se trata de um dano extrapatrimonial, subjetivo e complexo.

- Judicialização das Relações Afetivas: A intervenção do Judiciário em questões íntimas pode gerar tensões familiares ainda maiores, prejudicando o convívio futuro.

- Caráter Educativo da Responsabilização: A indenização não tem como objetivo punir, mas sim educar e reforçar os deveres parentais.

 

5. Conclusão:

            A responsabilidade civil pelo abandono afetivo é um tema delicado que exige equilíbrio entre o reconhecimento dos direitos da criança e do adolescente e o respeito à liberdade das relações familiares. A imposição de indenização por danos morais em casos de abandono afetivo é uma forma de proteção aos direitos fundamentais, mas deve ser aplicada com cautela, considerando as especificidades de cada caso.

            O debate não se limita ao aspecto jurídico, mas também suscita reflexões sobre o papel da família na construção de uma sociedade mais solidária e comprometida com o bem-estar das próximas gerações. Ao final, cuidar não é apenas um dever legal, mas uma obrigação moral e social que fortalece os laços e promove a dignidade da pessoa humana.

 

Bibliografia:

ANDRIGHI, Nancy. "Amar é faculdade, cuidar é dever: Reflexões sobre o abandono afetivo." Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 12, 2013.

SOUZA, Fabiana Ferreira. "Abandono afetivo e responsabilidade civil: Análise da jurisprudência do STJ." Revista Eletrônica de Direito Civil, 2020.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 15ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023.


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